segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

Deixa ele aí; se morrer, o médico avisa, se ficar bom, a gente busca

FOLHA DE SÃO PAULO (SP) • ESPORTE • 27/12/2009

Deixa ele aí; se morrer, o médico avisa, se ficar bom, a gente busca


DO ENVIADO A CAMPO GRANDEAssim que pariu Ismael, há 19 anos, Vilma Evangelista ouviu do então marido, cujo nome faz questão de não citar: "Deixa ele aí no hospital. Se morrer, o médico avisa. Se ele ficar bom, a gente vem buscar". Vilma escolheu o filho e perdeu o marido.Demorou, mas Ismael ficou bom. Passou os seis primeiros meses de vida na UTI. Só foi andar e falar com três anos."Por causa da bendita da bola", conta a mãe. "Ele ficou em pé a primeira vez para correr atrás de uma bola. E só aprendeu a falar para pedir uma bola de presente."Antes dos dez anos, Ismael passou por dez cirurgias, incluindo um transplante de intestino. Livrou-se da colostomia (bolsa externa para drenagem intestinal) e lançou-se a jogar futebol na rua, como todas as crianças da idade."Diziam que meu filho seria um vegetal", relembra Vilma.Ele, no entanto, contrariou previsões médicas, ignorou as proibições da mãe e, sobretudo, nunca se importou com o fato de ter o lado esquerdo do corpo parcialmente paralisado."Jogava com os normais, na rua, na escola, em todo lugar", conta Ismael. "Tomava porrada. Ninguém pegava leve, caía, me machucava bastante."Aos 12 anos, foi levado por um professor para o time de Atletismo da escola. Ganhou medalhas correndo distâncias curtas, mas nunca se empolgou de verdade. O que ele queria mesmo era jogar futebol."Ele vivia me dizendo: "Quando o médico consertar minha perna, vou chegar à seleção. Você vai ver, mãe"."Há três anos, juntou-se ao Pantanal, um dos três clubes de futebol de paralisados cerebrais de Campo Grande.Desde então, sai de casa todos os dias às 6h30, pega três ônibus para chegar às 8h30 ao campo onde seu time treina.Usa a boca para calçar as meias e tem a ajuda dos colegas para amarrar as chuteiras.Neste ano, cumpriu o que prometera à mãe e finalmente chegou à seleção brasileira sub--20, com a qual conquistou a medalha de ouro nos Jogos Parapanamericanos disputados em Medellín, em outubro."Fiz dois gols na final contra a Argentina", diz, orgulhoso. "E depois os caras nem quiseram trocar de camisa com a gente."Com os R$ 750 que ganha por mês do bolsa-atleta, tem o maior salário da casa de quatro cômodos que divide com a mãe, o padrasto e a irmã mais nova, no Jardim Columbia, um terreno invadido na periferia de Campo Grande.Ismael, que ganhou o apelido de "Obina" dos companheiros por causa dos dentes salientes, é tido como um dos jogadores mais promissores da nova geração. É a estrela do campinho de barro que fica exatamente em frente à casa onde mora.Não descuida do penteado moicano e faz questão de jogar com chuteiras coloridas.Mesmo assim, diz que prefere estudar -está no primeiro ano do ensino médio - e que não vê futuro algum no esporte que tanto gosta de praticar."Sei que isso daqui a pouco acaba", diz, conformado. "Eu vou ter que estudar." (MF)

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